Empresas sem licitação ainda são contratadas pelo Funcate

De 27 empresas contratadas este ano pela Funcate (Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais), 23 foram por inexigibilidade ou dispensa de licitação. Os dados estão no site da entidade. Duas das empresas contratadas por inexigibilidade de licitação pertencem a ex-funcionários do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e receberão da Funcate R$ 2,3 milhões para executar serviços ao instituto.

A Funcate é uma entidade sem fins lucrativos, com sede em São José, credenciada como fundação de apoio ao Inpe e outros órgãos públicos de pesquisa e desenvolvimento. Somente neste ano, o governo federal já repassou pelo menos R$ 19 milhões à Funcate por meio de transferência de recursos e gastos diretos. Em dezembro, o Inpe assinou quatro contratos com a fundação, sem licitação, que somam cerca de R$ 51,9 milhões.

As duas empresas abertas por ex-funcionários do Inpe contratadas pela Funcate são a Lume Assessoria e Consultoria, por R$ 1,38 milhão, e a Pame Consultoria, por R$ 1 milhão. Elas mantêm contratos com a Funcate, sem licitação, desde pelo menos 2009.

A Lume foi contratada este ano para fazer serviços especializados de arquitetura de sistemas e engenharia. A empresa tem sua sede no Residencial Esplanada do Sol, condomínio de luxo de São José, não aparece no cadastro da Junta Comercial do Estado de São Paulo nem possui site ou telefone registrado em seu nome como pessoa jurídica.

O extrato publicado pela fundação no Diário Oficial da União no dia 24 de janeiro indica que o sócio da empresa é Luiz Antonio dos Reis Bueno, ex-funcionário do Inpe. De acordo com o CNPJ da Receita Federal, a Lume foi criada em 2003 e tem como atividade principal consultoria em gestão empresarial, exceto consultoria técnica específica, e como secundárias a administração de caixas escolares e atividades de apoio à educação. Bueno não foi localizado para comentar o assunto.

A Pame foi criada em 2003, tem sede em Campinas e também não possui site ou telefone fixo registrado em seu nome. Segundo o CNPJ, a atividade da empresa é de serviços de engenharia. O proprietário da empresa é Paulo Mello Marshall, também ex-funcionário do Inpe. Ele foi procurado em seu telefone residencial em Campinas, mas a pessoa que atendeu disse que ele não estava e que anotaria o recado. Até sexta-feira, Marshall não retornou as ligações.

O Vale apurou que, além do contrato de R$ 1,3 milhão deste ano, a Lume teria recebido mais de R$ 977 mil da Funcate entre 2009 e 2011, sem licitação, de acordo com extratos de contratos publicados no Diário Oficial da União. A Pame Consultoria recebeu, além do R$ 1 milhão deste ano, pelo menos mais R$ 527 mil entre 2009 e 2011 por meio de contratos sem licitação. A fundação informou que todos os contratos têm amparo legal.

O Vale

Em cinco anos, Funcate recebe mais de R$230 milhões

Nos últimos cinco anos, a Funcate (Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais), de São José dos Campos, recebeu R$ 236,6 milhões do governo federal.

Esse valor se refere a repasses feitos por meio de contratos e convênios firmados pela fundação com órgãos federais, a maioria ligados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e ao Ministério da Defesa, entre janeiro de 2007 e dezembro de 2011. Os dados constam no Portal da Transparência da União.

A fundação não informou os valores que tem a receber do governo federal ou de Estados e municípios por meio de acordos em vigor. Dos R$ 234,6 milhões repassados pela União à Funcate, R$ 39,2 referem-se à locação de mão de obra de 2007 a 2010, ano em que este serviço foi suspenso por determinação do Ministério Público Federal.

Criada em 1982 como uma fundação de apoio ao Inpe, para estimular e viabilizar atividades de ensino, pesquisa e desenvolvimento institucional, a Funcate transformou-se praticamente numa agência de compras e recursos humanos do instituto. A entidade é contratada até para construção de prédios em unidades do Inpe.

“As chamadas fundações de apoio acabam sendo utilizadas, na prática, como instrumento para se driblar o rigor das leis que regem a aplicação de recursos públicos e a contratação de pessoal via concurso”, disse Gino Genaro, secretário do SindCT (Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial).

Para o sindicalista, como as fundações de apoio têm muito mais liberdade para comprar ou contratar pessoas do que um órgão público, apesar de a lei impor limites às fundações na aplicação de recursos públicos, na prática, atuariam como uma empresa privada.

“Nós do sindicato não tivemos acesso a esta documentação (contratos entre Inpe e Funcate). Outro fato a se destacar é que a lei obriga as fundações a tornarem públicas as informações relativas a contratos, inclusive nomes das pessoas ou empresas beneficiadas, o que nunca foi cumprido pela Funcate”, disse Genaro.

No site da ONG existe um link para seu portal de transparência, porém até a última sexta-feira constavam somente os contratos firmados com o Inpe em dezembro. Após questionamentos feitos pelo Tribunal de Contas da União sobre contratos não correlacionados a atividades da fundação, a Funcate mudou seu estatuto e ampliou seu leque de atuação.

A alteração ocorreu em março do ano passado, três meses após um dos últimos atos do ex-presidente Lula, o decreto 7.423, publicado em 31 de dezembro de 2010, que alterou a lei de fundações. Segundo o presidente do Conselho Diretor da Funcate, José de Anchieta Moura-Fé, caberia ao Conselho Curador da entidade se manifestar sobre o caso. “O Conselho vai fazer isso na próxima reunião, dia 10 de maio.”

O Vale